Teve que interromper a leitura. No meio da frase. Após os
pensamentos de mágoa de segundos atrás, que inclusive a motivara a abrir o
livro da jovem. Logo depois de “ritmava sensações incongruentes”, a leitura
parou. Uma cena lhe veio à mente. Quase podia sentir. Como num filme com as
duas atrizes paradas. Uma de frente para a outra. E o diretor lhes grita: ação!
Seus olhos pararam a leitura porque a imagem veio. Mas só o beijo, ela indo
beijá-la, puxando-lhe o rosto, na ponta dos pés. Num impulso. Um flash. Como se sonhasse de
olhos abertos. Seus olhos fitavam o banco da frente do ônibus, mas o que viam
era aquele beijo. Aquele beijo que nunca (ou ainda não, pensava) acontecera.
Mas que ansiava. E tanto naquele momento. Podia sentir o gosto, o cheiro, a
textura, o olhar de surpresa e vontade dela, o rosto entre as mãos, as
borboletas no estômago. Mas foi um beijo em flash entre leituras. Rápido.
Sentiu delicada dor no peito. Leve falta de ar, aperto.
Pegou lápis e caderno
na bolsa e escreveu para que não esquecesse a cena, seu roteiro espontâneo, de
vida própria, que não planejou ter. As folhas do caderninho chegaram enfim ao
fim. Terminava de escrever essas linhas na contracapa. Mas que bom que ela lhe
prometera um novo de presente. Precisaria com urgência, sobretudo se sua mente continuasse lhe presenciando com
esses flashes arrebatadores assim.
Rio, 28 de outubro de 2012; domingo de muito calor.